ZEU, ZEMP, ZER e outras zonas de uso
No cenário do planejamento urbano de São Paulo, a compreensão das diferentes zonas de uso do solo é essencial não apenas para arquitetos e urbanistas, mas também para incorporadores, investidores e cidadãos que desejam entender como a cidade se organiza e se transforma ao longo do tempo. As diretrizes que regem essa organização estão contidas principalmente na Lei 16.050/14, que instituiu o Plano Diretor Estratégico (PDE), e na Lei 16.402/16, que detalha o Zoneamento da cidade. Ambas compõem o núcleo normativo que orienta o desenvolvimento urbano paulistano.
Do ponto de vista de um arquiteto urbanista, o desenho da cidade é como um grande tabuleiro de múltiplas camadas, onde cada zona de uso tem uma função específica dentro do sistema urbano, servindo para equilibrar crescimento, mobilidade, densidade e qualidade de vida. Dentro dessa lógica, siglas como ZEU, ZEMP e ZER traduzem a intenção do poder público em direcionar onde e como São Paulo deve crescer, preservar ou transformar.
Comecemos pela ZEU – Zona Eixo de Estruturação da Transformação Urbana. Essa é, talvez, uma das mais emblemáticas e estratégicas zonas criadas pelo PDE de 2014. A ZEU está localizada principalmente ao longo dos grandes corredores de transporte coletivo, como linhas de metrô, corredores de ônibus e futuros eixos de mobilidade de alta capacidade. O objetivo aqui é claro: incentivar o adensamento construtivo e populacional onde já existe infraestrutura urbana consolidada, especialmente transporte público. A intenção é aproximar moradia, emprego e serviços das linhas de mobilidade, reduzindo a necessidade de deslocamentos longos e incentivando uma cidade mais compacta e eficiente. Tecnicamente, as ZEUs permitem coeficientes de aproveitamento maiores (em alguns casos chegando a 4 vezes a área do terreno), maior altura máxima para as edificações e menor exigência de vagas de garagem, justamente para desestimular o uso do automóvel. Para o urbanista, a ZEU representa uma clara estratégia de enfrentamento da crise de mobilidade urbana.
Por outro lado, temos as ZEMP – Zona Eixo de Estruturação da Transformação Metropolitana Previsto, uma evolução da lógica da ZEU, mas com um foco ainda mais direcionado: a geração de empregos. As ZEMPs foram criadas em áreas próximas a grandes equipamentos de transporte, mas que historicamente possuem vocação econômica forte, como distritos industriais ou comerciais consolidados. O plano é manter e estimular o uso não residencial nesses locais, ampliando as oportunidades de trabalho próximo às áreas de moradia e transportes públicos, mas sem estimular um adensamento residencial descontrolado. Em termos normativos, a ZEMP permite usos comerciais, industriais e de serviços com coeficientes também elevados, mas com um controle mais rígido sobre o uso residencial.
Já a ZER – Zona Exclusivamente Residencial funciona como o oposto dessas zonas de transformação. As ZERs têm como função principal preservar a qualidade ambiental e urbana de bairros essencialmente residenciais, geralmente de baixa ou média densidade. São áreas com forte caráter consolidado, onde o Plano Diretor e o Zoneamento optaram por restringir usos que poderiam causar impactos negativos, como comércio de grande porte, serviços de alta intensidade de público ou atividades industriais. O coeficiente de aproveitamento nessas zonas é normalmente mais restrito, o que limita a quantidade de metros quadrados de construção em relação ao tamanho do terreno, e há limites rígidos para gabarito e número de unidades habitacionais por lote.
Entre esses extremos, o zoneamento de São Paulo conta ainda com outras zonas igualmente relevantes, como as ZC – Zona de Centralidade, que permitem alta densidade e uma ampla gama de usos; as ZDE – Zonas de Desenvolvimento Econômico, que incentivam a instalação de atividades produtivas, muitas vezes com benefícios fiscais e incentivos para a requalificação de áreas industriais antigas; as ZEIS – Zonas Especiais de Interesse Social, destinadas à produção de habitação de interesse social, com parâmetros urbanísticos diferenciados para estimular a oferta de moradias populares; e as ZOE – Zona de Ocupação Especial, que contempla áreas com características singulares, como regiões de proteção ambiental, áreas institucionais ou zonas de interesse específico, como aeroportos e grandes equipamentos urbanos.
A Lei 16.402/16, ao detalhar os parâmetros de cada uma dessas zonas, estabelece uma lógica de gradação de densidade e de usos, buscando sempre alinhar o crescimento da cidade com a infraestrutura disponível e as diretrizes ambientais. Não é apenas uma questão de quantos metros quadrados podem ser construídos, mas também de como os fluxos urbanos (de pessoas, de veículos, de serviços) serão impactados pelas novas ocupações.
Do ponto de vista técnico, um dos maiores impactos que as zonas de uso têm no planejamento urbano é a capacidade de direcionar o mercado imobiliário e, com ele, as dinâmicas socioeconômicas da cidade. Áreas com altos coeficientes de aproveitamento tendem a atrair empreendimentos verticais e de grande porte, enquanto zonas mais restritivas como as ZERs limitam esse movimento, criando um efeito de valorização imobiliária e segregação espacial. Por isso, a delimitação de zonas de uso é uma decisão política e técnica com profundas consequências sociais, ambientais e econômicas.
Outro aspecto central é o papel que essas zonas desempenham na construção de uma cidade mais sustentável. Concentrar moradias e empregos ao longo de eixos de transporte, como nas ZEUs e ZEMPs, é uma forma de combater a expansão urbana descontrolada (o chamado “espraiamento”) e reduzir a dependência do transporte individual. Isso se conecta diretamente com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e com as metas de redução de emissões de carbono que São Paulo assumiu internacionalmente.
Por fim, vale lembrar que o Zoneamento é uma ferramenta viva. O próprio PDE de 2014 prevê revisões periódicas, justamente para ajustar as diretrizes à evolução das necessidades da cidade. Isso significa que a leitura das zonas de uso não pode ser estática. O arquiteto urbanista, ao projetar ou ao planejar, precisa estar sempre atento às mudanças legislativas, às transformações sociais e aos movimentos econômicos que moldam São Paulo.
Entender ZEU, ZEMP, ZER e todas as outras zonas é, no fundo, entender o DNA da cidade. É decifrar o código que determina onde as pessoas vão morar, trabalhar, circular e se relacionar. É atuar diretamente na forma como a cidade respira, cresce e se reinventa.